Disciplina - Química

Doping - Tipos de Doping - Métodos Dopantes - Doping Genético

Um gene é uma unidade biológica de hereditariedade e códigos simplificados para a fabricação de uma proteína. Em alguns casos estes genes são defeituosos e contêm informação errada que leva a uma falha na síntese ou vice-versa. Neste caso, a terapia genética tenta reparar o gene com defeito. Mas, se for possível aumentar, por ex. as proteínas musculares, deve ser tido em consideração um abuso.

Como consequência, a capacidade de utilizar incorretamente a terapia genética no desporto induziu a Agência Mundial Antidoping (AMA) a colocar o doping genético na Lista Proibida. É definido como “o uso não terapêutico de células, genes, elementos genéticos ou da modulação da expressão de genes, com a capacidade de melhorar o desempenho atlético” (WADA 2008).

Contudo, não é tão fácil como parece manipular esses genes. No contexto da atividade física, vários genes possuem a informação para melhorar a resistência ou as proteínas que aumentem a massa muscular. Não existe um único gene de “desporto”!

Considerando que a terapia gênica está apenas em estágio inicial de desenvolvimento e que, teoricamente, os atletas ainda não fazem uso desse tipo de estratégia ergogênica, pode-se apenas comentar sobre os genes que são candidatos importantes ao uso indevido no meio esportivo. São eles: eritropoetina, bloqueadores da miostatina (folistatina e outros), vascular endothelial growth factor (VEFG), insulin-like growth factor (IGF-1), growth hormone (GH), leptina, endorfinas e encefalinas, e peroxissome proliferator actived receptor delta (PPARd).

Eritropoetina


A eritropoetina é uma proteína produzida nos rins cujo principal efeito é o estímulo da hematopoese. Logo, uma cópia adicional do gene que codifica a eritropoetina resulta no aumento da produção de hemácias, de modo que a capacidade de transporte de O2 para os tecidos é aumentada. Esse tipo de doping seria, portanto, especialmente ergogênico para atletas de endurance.

Pesquisas com ratos e macacos conseguiram com sucesso transferir uma cópia adicional do gene da eritropoetina, sugerindo que esse tipo de doping já seja factível. Entretanto, é muito provável que a superexpressão de eritropoetina tenha efeitos prejudiciais importantes em pessoas saudáveis, haja vista que foi observada uma elevação muito acentuada do hematócrito de macacos (de 40% a aproximadamente 80%). Isso obviamente pode representar um risco sério de comprometimento da função cardiovascular, incluindo dificuldade de manutenção do débito cardíaco e da perfusão tecidual, devido ao substancial aumento da viscosidade sanguínea. Além disso, foi relatada anemia grave em alguns animais por causa de uma resposta autoimune à transferência do gene extra. Esses relatos levantam sérias dúvidas quanto à real possibilidade de uso da transferência do gene da eritropoetina em atletas.

Bloqueadores da miostatina

A miostatina é uma proteína expressa na musculatura esquelética tanto no período embrionário quanto na idade adulta. Sua ação consiste em regular a proliferação dos mioblastos durante o período embrionário e a síntese protéica na musculatura esquelética durante e após o período embrionário. Em algumas raças de bois, observa-se crescimento incomum da musculatura de alguns animais (fenômeno conhecido por double muscling). Há poucos anos foi verificado que esses animais apresentavam mutações no gene da miostatina, de modo que se formava uma proteína não funcional, o que demonstrou que a miostatina inibia o crescimento da musculatura esquelética. Recentemente foi descrito o caso de uma criança que apresentava fenótipo semelhante ao double muscling. Foi observado que essa criança também tinha deleções no gene da miostatina. Lee e McPherron, utilizando modelos de ratos transgênicos, concluíram que a superexpressão de bloqueadores da miostatina, tais como folistatina, leva ao mesmo fenótipo de double muscling. A miostatina inibe tanto a hiperplasia quanto a hipertrofia muscular, sendo que o ganho de massa muscular decorrente do bloqueio da miostatina se dá principalmente pelo aumento no número de fibras musculares.

Em vista disso, acredita-se que o bloqueio da sinalização da miostatina seja um dos candidatos de maior potencial de abuso no esporte, já que o ganho de massa muscular pode ser decisivo em diversas modalidades esportivas. Contudo, a utilização de bloqueadores da miostatina como recurso ergogênico talvez ainda esteja um pouco distante, já que os estudos com bloqueio da miostatina envolveram animais transgênicos, ou seja, que não produziam a proteína desde o início do desenvolvimento. Não se sabe, portanto, quais são exatamente os efeitos quando o bloqueio ocorre apenas na idade adulta, período em que não se observa aumento no número de fibras musculares. Outra questão importante diz respeito à possibilidade de expressão dos genes inibidores da miostatina em outros tecidos musculares, como os lisos e o cardíaco. Apesar desse risco não ser muito alto, uma vez que os animais do estudo de Lee e McPherron expressaram os transgenes apenas na musculatura esquelética, não se pode descartar essa hipótese, considerando que não há dados na literatura sobre transferência vetorial desses genes e que envolvam seres humanos.

VEGF

O VEGF (ou fator de crescimento do endotélio vascular) é uma proteína que desempenha importante papel no crescimento do endotélio vascular, na angiogênese e vasculogênese. A terapia gênica com VEGF é uma das poucas já utilizadas em seres humanos. A introdução do gene que codifica a VEGF em pacientes com disfunção endotelial responsável por quadros de doença arterial coronariana e doença arterial periférica tem produzido bons resultados, com formação de novos ramos vasculares.

Em atletas, a inserção vetorial do VEGF poderia produzir vasculogênese. Dessa maneira, o fluxo sanguíneo para todos os tecidos seria aumentado, assim como sua oxigenação e nutrição. Considerando que isso ocorra em tecidos como a musculatura esquelética e a cardíaca, pode-se esperar aumento da produção energética, diminuição da produção de metabólitos e o retardo da fadiga. Atletas de endurance seriam, teoricamente, os mais interessados na terapia gênica com inserção do VEGF. Uma vez que esse tipo de terapia já está sendo utilizado em seres humanos com fins terapêuticos, o doping genético envolvendo o VEGF já poderia ser empregado atualmente de maneira ilícita para melhorar o desempenho esportivo.

IGF-1 e GH

Em animais de experimentação, a introdução por vetor de adenovírus do gene que codifica a proteína IGF-1, e sua consequente superexpressão, aumenta a síntese protéica na musculatura esquelética. Isso foi observado tanto em animais que foram submetidos ao treinamento de força quanto em sedentários. Quando a introdução do gene extra IGF-1 foi combinada com o treinamento de força, a hipertrofia e o desenvolvimento da força foram maiores do que os observados em animais que apenas treinavam força (e não super-expressavam IGF-1) e nos que apenas super-expressavam IGF-1 (e não treinavam força). Pode-se dizer, então, que a super-expressão de IGF-1 pode potencializar em grande magnitude as respostas musculares ao treinamento físico, em especial ao treinamento de força. Em vista do sucesso obtido em estudos com animais e da aparente segurança da terapia gênica com IGF-1, é possível que dentro de poucos anos ela já seja factível em humanos. Isso, obviamente, poderá ser utilizado por atletas que buscam melhorar seu desempenho, mas poderá ser também utilizado por pessoas portadoras de doenças musculares graves, como a distrofia muscular de Duchenne e outras.

Teoricamente o doping genético com GH levaria a efeitos bastante semelhantes aos produzidos por IGF-1, haja vista que a ação do GH é mediada pelo próprio IGF-1. Portanto, pode-se esperar que o doping genético com GH produza ganhos de força e hipertrofia muscular. É provável que os riscos envolvidos com a inserção do gene do GH e do IGF-1 estejam relacionados com o desequilíbrio do eixo hipotálamo-hipofisário e principalmente com o aumento da chance de ocorrência de neoplasias diversas.

Há também o risco da superexpressão do GH levar a glomerulosclerose, o que já foi demonstrado em modelos animais.

Leptina

A leptina, hormônio peptídico produzido principalmente no tecido adiposo cuja principal ação está relacionada ao controle da sensação de fome e saciedade, redução do consumo alimentar e consequente perda de peso, também é um candidato para abuso como doping genético(22).

Em 1997 um estudo demonstrou que a introdução do gene leptina por vetor viral produzia significativa perda de peso em ratos. Em contrapartida, talvez o mesmo fenômeno não seja observado em humanos, já que indivíduos obesos, os quais apresentam elevada concentração plasmática de leptina, não têm apetite reduzido. Essa resistência à ação da leptina pode representar importante obstáculo para a terapia gênica com esse hormônio. Além disso, diferentemente dos modelos animais, o comportamento alimentar humano depende também de outros fatores (nutricionais, psicológicos, sociais e culturais).

Endorfinas e encefalinas

As endorfinas e encefalinas são peptídeos endógenos de atividade analgésica. O uso da terapia gênica com os genes da endorfina e encefalina poderia, portanto, melhorar o desempenho esportivo pela diminuição da sensação de dor associada a algum tipo de lesão, fadiga ou excesso de treinamento. Isso, teoricamente, permitiria que atletas treinassem mais, ou evitaria seu afastamento temporário de treinos e competições por pequenas lesões. De fato, as drogas analgésicas estão entre as mais consumidas por atletas, o que indica o possível interesse pela inserção desses genes. Estudos em animais demonstraram que esse tipo de terapia gênica foi capaz de diminuir a percepção de dor inflamatória. Entretanto, devido à grande carência de informações na literatura, é provável que o doping genético envolvendo endorfinas e encefalinas ainda esteja longe de realmente acontecer.

PPAR-d

As proteínas da família dos PPARs atuam como fatores de transcrição de genes envolvidos no metabolismo de carboidratos e lipídeos. Primeiramente elas foram descobertas desempenhando papel na síntese de peroxissomos, e por esse motivo foram denominadas de peroxissome proliferator-actived receptors. Existem diversas proteínas PPAR, mas a que apresenta, pelo menos do ponto de vista teórico, maior potencial para abuso em doping genético é a PPAR-d.

A PPAR-d é uma proteína reguladora-chave do processo de oxidação de lipídeos. Atuando no fígado e no músculo esquelético, ela estimula a transcrição de diversas enzimas que participam da b-oxidação. A PPAR-d também está relacionada com a dissipação de energia na mitocôndria que ocorre por meio das proteínas desacopladoras, de modo que sua ação leva à diminuição da produção de energia. Como resultado, a PPAR-d diminui a quantidade de tecido adiposo, reduz o peso corporal e aumenta a termogênese. Essa é, portanto, uma das justificativas para o possível interesse de atletas em usar doping genético com PPAR-d. A melhora na oxidação lipídica, além de reduzir a adiposidade (efeito que despertaria o interesse de atletas de quase todas as modalidades esportivas), preservaria os estoques de glicogênio, aumentando o tempo de tolerância ao esforço e provavelmente o desempenho em provas de resistência.

Outro motivo para o possível interesse em utilizar o PPAR-d como doping genético é o seu provável papel na conversão de fibras musculares do tipo II em fibras do tipo I. Portanto, atletas cujas modalidades não dependem da força, mas exigem que eles se mantenham com baixo peso e baixo percentual de gordura (como maratonistas, ginastas, patinadores e outros) seriam potencialmente os mais interessados na transferência do gene PPAR-d.

Infográfico que explica como funciona o doping genético
Fonte Infográfico (Revista Veja: Edição 1935 . 14 de dezembro de 2005)

Terapia Gênica em Atletas

Além do potencial interesse pelo uso da terapia gênica como forma sofisticada e indetectável de doping, atletas poderiam beneficiar-se das técnicas de transferência de genes como qualquer outra pessoa cujo quadro clínico imponha tal necessidade.

Conforme mencionado anteriormente, as técnicas genéticas de reconstrução de tecidos lesionados poderiam ser largamente utilizadas no meio esportivo para o tratamento e reabilitação de lesões. A transferência de genes que codificam fatores de crescimento poderia facilitar e potencializar o tratamento de lesões ósteo-músculo-articulares que atualmente requerem cirurgias e longo período de reabilitação.

Uma questão muito importante sobre a relação da terapia gênica com o esporte foi levantada em 2006 por Haisma e Hon. Segundo a definição da WADA, o uso não terapêutico de técnicas de transferência de genes que possam melhorar o desempenho esportivo é considerado doping e, portanto, proibido. Tal definição, apesar de clara, não contempla diversas possibilidades, como também não menciona as consequências do direito dos atletas de usar a terapia gênica. Por exemplo, uma pessoa que sofra de alguma distrofia muscular ou anemia grave poderia se tornar atleta após o uso terapêutico da transferência de genes como IGF-1, folistatina ou eritropoetina? Ou então, um atleta que necessite de terapia gênica e que em decorrência do tratamento adquira alguma vantagem competitiva, poderia continuar competindo? Pela definição poderia, mas tal permissão esbarra nas questões éticas e morais que dão toda a base para a proibição do doping.

Sem dúvida, o debate dessas e outras questões sobre a terapia gênica e o esporte precisa ser intensificado, de modo que se coíbam abusos sem que o direito de uso terapêutico por atletas que necessitem da terapia gênica seja prejudicado.
No público em geral, o doping genético está associado estritamente à terapia genética, mas é mais que isso, é a aplicação consequente da tecnologia de genes. Isto funciona para a utilização de anticorpos específicos para estimular ou inibir a expressão dos genes para uma modificação selectiva de uma célula, um gene ou a modulação de um receptor para a regulação específica da expressão de genes, depois da transferência de genes.

Para transferir genes modificados em genomas, são utilizados diferentes métodos e transportadores – os chamados vectores. Os sistemas de entrega de genes mediados por vírus foram diferenciados dos sistemas de entrega de genes não mediados por vírus. Além disso, há também a transferência de genes ex vivo, removida através de células-alvo especiais, transfectadas e transplantadas de novo no corpo. Os métodos in vivo, que descrevem a transdução do gene através dos transportadores nas células do corpo, também são diferenciados. Os sistemas não vírus contém a injecção de ADN livre, na forma de plasmídeo ou a lipofecção, a injecção de lipossomas que transportam o ADN, e posteriormente a electroporação ou nucleofecção – a injecção directa de ADN no núcleo celular. Todos os vectores não virais são relativamente fáceis de fabricar, menos dispendiosos e possuem uma toxicidade inferior quando comparados com os vectores virais. Como resultado da modificação genética, a síntese de ADN é estimulada ou inibida.


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